"Seu Fon-Fon" é uma sátira bem humorada do Juca Chaves ao coronel Américo Fontenelle
Hoje, 25 de janeiro, a cidade de São Paulo comemora 458 anos, e quem ganha o presente é você. Sim, eu sei que a frase parece extraída de mensagem publicitária, mas este compacto simples do Juca Chaves é, sem dúvida, o que exigiu mais tempo de procura até tê-lo finalmente em minhas mãos. É por isso que o considero um presente aos amigos visitantes. Pode parecer exagero, já que a música "Seu Fon-fon" foi muito executada - especialmente na cidade aniversariante - na época do lançamento em 1967, e o natural seria encontrar o single com relativa facilidade. Mas não foi assim. Eu o procurei por anos a fio, solicitando a amigos e blogueiros. Tudo vem vão. Cheguei a suspeitar que o disco teria sido recolhido das lojas e a matriz destruída pela ditadura militar.
Felizmente, estava enganado, pois no mês passado, numa tarde de sorte, encontrei o disco no local mais improvável. Estava empoeirado numa pilha de velhos compactos sem capa, jogada num canto do sebo, como se não tivesse o mínimo valor. É verdade que o single não está zerado e apresenta alguns riscos, mas eu o compraria de qualquer maneira, independente do estado em que se encontra. Cheguei em casa ansioso por ouvi-lo, pois minha última audição pelo rádio aconteceu no ano do lançamento, época em que comecei a trabalhar como office-boy. Dá pra imaginar como é a sensação de ouvir uma música tão desejada por mais de 40 anos?
Para os mais jovens, que não viveram os anos 1960, é bom explicar. O "Seu Fon-fon", no caso, é uma sátira ao coronel Américo Fontenelle (1921-1967), o homem grisalho da foto ao lado. Ele foi contratado pelo governador biônico Abreu Sodré para organizar o trânsito caótico e congestionado de São Paulo, após vitoriosa experiência no então estado da Guanabara. Lá, até por sua formação militar, era radical ao extremo, chegando a mandar esvaziarem os quatro pneus do carro de quem estacionasse em locais proibidos. Em São Paulo, criou `bolsões´ e `rotatórias´, proibindo também a carga e descarga em toda a cidade, a não ser de meia-noite às 6 da manhã. Fontenelle mandava rebocar até mesmo o carro de vereadores e deputados que atravancavam tudo.
Muita gente chiou. A então deputada Conceição Costa Neves erigiu-se em porta-voz da oposição ao coronel, discursando inflamada e demagogicamente contra ele na Assembléia Legislativa. A extinta TV Tupi (que fazia parte dos Diários e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand), armou um debate entre ambos, mediado por Aurélio Campos. Foi o primeiro debate televisivo no Brasil entre um homem e uma mulher. A deputada supôs que sairia bem na foto se mostrasse coragem de confrontá-lo, adotando uma postura extremamente agressiva. Para sua surpresa, o coronel se apresentou como um autêntico gentleman, recusando-se a acompanhá-la num duelo de agressões. Respondia às piores acusações e insultos com apenas quatro palavras: "Isso, na sua opinião". As rudimentares pesquisas de opinião da época lhe deram a vitória por goleada.
Menos sorte Fontenelle teve, entretanto, quando enfrentou a empresa Folha da Manhã, pertencente a Octávio Frias e Carlos Caldeira. Ocorre que outro negócio de Caldeira era a rodoviária de São Paulo, localizada bem no centro da cidade (av. Duque de Caxias) e foco dos maiores congestionamentos. O trabalho de Fontenelle não estaria completo se não extirpasse essa chaga. Percebendo que, se anunciasse antecipadamente a desativação da rodoviária, seria tolhido pela politicalha, Fontenelle a executou nos moldes de uma operação militar, pegando o inimigo desprevenido: da noite de domingo para a manhã de segunda-feira, fechou a rodoviária. Os ônibus foram remanejados para quatro pontos diferentes da cidade, conforme a rodovia que utilizavam. Se o infeliz passageiro estivesse em trânsito por São Paulo ficava perdido ao ter que se deslocar de um "terminal" a outro para continuar a viagem. Não havia nenhum tipo de integração entre eles. Tinha que ser tudo na base do "busão" ou do táxi porque não tínhamos metrô.
Foi vítima, como retaliação, de uma das mais repulsivas campanhas já desencadeadas por órgãos de imprensa contra um administrador público. Páginas e páginas eram utilizadas diariamente nos jornais do grupo para detonar o trabalho de Fontenelle e dar voz às suas vítimas, como os viajantes que perdiam o ônibus por desinformação. Foi nesse cenário que Juca Chaves, com seu humor ácido e inteligente, compôs "Seu Fon-fon", tornando-se o hit do momento. O governador Sodré, que não tinha a simpatia do grupo Folha, de repente acertou os ponteiros com Caldeira e Frias: demitiu Fontenelle, após 57 dias de trabalho, passou a receber rasgados elogios nos jornais da empresa e mandou reabrir a rodoviária.
Pouco tempo depois, ao dar uma entrevista no programa Roleta Paulista, da então TV Paulista (Organização Victor Costa), Fontenelle foi indagado a respeito de sua demissão. Em resposta, disse que iria falar tudo que até então silenciara sobre o comportamento desleal e indigno do governador. De repente, parou, como se tivesse perdido o fio da meada. Fitou a câmera, seu olhar ficou esgazeado; cambaleou e desabou no chão. O pessoal do estúdio correu para socorrê-lo, a câmera tremeu, a transmissão foi interrompida. Logo depois, um locutor informou que o coronel tivera uma ligeira indisposição, mas passava bem. Na verdade, estava agonizando. Morreu a caminho do pronto-socorro. Após o anúncio do falecimento, o disco do Juca Chaves nunca mais foi tocado. Morreu com o personagem, e caiu no esquecimento.
Relembre agora, no aniversário da cidade, que ainda enfrenta problemas no trânsito, um pouco da era Coronel Américo Fontenelle, hoje nome de rua em São Paulo e de rodoviária no Rio:
01 - Seu Fon-fon
..... (Juca Chaves)
02 - Cantiga d'amor (Prelúdio - Toccata - Fuga)
..... (Juca Chaves - Rui Affonso)
http://www.4shared.com/rar/sIUvOl-P/179_-_Fonfon.html
ResponderExcluirRapaz, valeu pela postagem e explicação. Sempre achei que fosse lenda a história do Fontenelle, ouvia falar dele quando era pequeno lá em Colatina interior do Espirito Santo, lembro que meu irmão, que estudou e morou no Rio um tempo, falava de um cara que aprontava todas com as confusões do trânsito não sei se no Rio ou São Paulo, no mínimo era o Fontenelle. Legal, mesmo.
ResponderExcluirNão é lenda. Se o seu irmão estudou no Rio entre 1965 e 1966, provavelmente as peripécias do Fontenelle foram no então Estado da Guanabara. Em São Paulo, os fatos aconteceram no primeiro semestre de 1967. Além de "Seu Fon-fon", houve uma marchinha carnavalesca que dizia "Nego pia/nego pia/Todo mundo enche/Fontenelle esvazia", numa clara referência a ordem do coronel de murchar os pneus dos carros estacionados em locais proibidos. Abs.
ExcluirValeu, seu blog está muito bom. Obrigado por compartilhar.
ExcluirMais do que o disco (rarissimo), esse texto é digno de elogios. Parte da história de São Paulo é relatada em detalhes que eu não sabia, e moro aqui desde que nasci. Parabéns Chico, mais uma vez.
ResponderExcluirMuito obrigado pelo comentário, mas a verdade deve ser dita. Apesar de vivenciar os fatos, assistindo inclusive o debate pela TV entre o coronel e a deputada, boa parte do texto que elogia não é da minha autoria. É resultado de uma pesquisa no Google. Fiz apenas umas adaptações sobre o texto original, replicado em alguns sites, o que dificulta a possibilidade de identificar o nome do verdadeiro autor. Agradeço, mesmo assim, pela sua sempre gentil atenção. Abração.
ExcluirParabéns Chico pelo blog e pelas informações.
ExcluirUm grande abraço,
MPA.
Amigo MPA
ExcluirSinto-me honrado com sua presença por aqui. Muito obrigado. Abração